8 de setembro de 2016

Borboletas Traíras


Me expus. Ignorei meus instintos. Segui em frete. Não olhei pra trás. Na verdade olhei, mas não me assustei mais. Aquilo não me paralisava. Não mais.
Me deixei descobrir. Me deixei sentir. Senti pele na pele. Mãos juntas, grudadas, interligadas. Senti beijo. Senti calafrio. Senti as borboletas, não só na barriga, mas no corpo todo. Elas seguiam pelo corpo, formigavam com toda a rapidez, pedindo outro corpo. O teu.
E então eu me assustei. Como pode? Não. Não deixa não. Vai se arrepender.
Mas você me segurou e falou ‘’Ta tudo bem’’ e tava mesmo. Tava tudo bem. Tava você.
Ouvi músicas, abracei canções, mergulhei totalmente nos teus olhos. Que se abraçavam com os meus. Que te caçavam em todo lugar. Na cama, na rua, aqui.
Virei noites. Revivi dias. Odiava horas; Elas me separavam de você.
Tua voz me perseguia. Teu cheiro virou meu cheiro. E quando eu vi, era isso.
Isso ai. Que todo mundo reconhece só de olhar. Aquilo que as pessoas escrevem músicas, que dizem que dá até sentido pra vida. Que te perguntam ‘’Que foi?’’ e você diz ‘’Nada...’’ mas na verdade é Tudo. Que dá vontade de levantar da cama, de dar bom dia pra cada alma viva na rua, que dá vontade de fazer mais. De ser mais. Eu fui mais. E dei mais também. Eu segui, você ficou. Eu me libertei, você paralisou.
As canções que abracei sussurravam baixinho para solta-las. Tava na hora.
Por favor, me solta.
Dessa vez quem pedia era eu.
Eu te segurava com a palma das mãos, vermelhas, as pontas dos dedos embranquecidas. Você me segurava pela ponta dos dedos. E foi entre eles que eu escapei.

8 de agosto de 2016

Sobre a síndrome de pequeno príncipe, responsabilidade emocional e empatia.


Se você tem facebook e tem amigos que compartilham textão você provavelmente deu de cara com pessoas compartilhando textos sobre ''ser contra a geração que não demonstra o que sente'' ''de ser contra joguinhos'' ''de ser 8 ou 80, ou vai ou fica.'' Eu inclusive compartilhei coisas do tipo. Da mesma forma, tiveram pessoas que compartilharam coisas totalmente antônimas como: ''não sou obrigado a responder rápido'' ''as vezes eu sou frio mesmo'' e afins. Com quem eu concordo? Bom, com as duas.
Eu entendo as duas. Eu sinto as duas. Eu sou as duas. Você também é, querendo ou não. Você também quebrou um coração por aí, foi filha da puta com alguém, alguém já sentou e discorreu sobre como você foi legal mas depois sumiu, ou simplesmente mudou. E isso ocorre sim, ninguém é obrigado a não mudar, ser o mesmo pra sempre só pra conservar o sentimento de outra pessoa por você. Talvez seja essa é grande questão.
Todo dia somos bombardeados por textos de pessoas da nossa geração falando sobre pessoas da nossa geração na nossa geração. É a geração do smartphone falando através de um smartphone sobre como um smartphone é ruim e aliena as pessoas. E sim, a nossa geração tem alguns problemas. Vários. Mas só escrever sobre eles não adianta muita coisa, não é? Pois é. Mas é exatamente isso que eu estou fazendo. Entende?
A frase ''você é eternamente responsável por aquilo que cativas'' tem assombrado muito os nossos ouvidos, durante anos. A síndrome de raposa e pequeno príncipe se mostra presente no nosso cotidiano. Você dá match numa pessoa no Tinder, se anima, fala várias coisas, faz altos programas e promessas com a pessoa e para a pessoa. Vocês se falam todo dia, você tá naquela exaltação e de repente: acabou. Você não quer mais responder aquela pessoa, viu uma postagem dela que você não concordou, o encanto acabou. Miou. Se foi. Broxou. Pra você, ela mudou. Pra ela (a pessoa), você mudou. E na verdade tudo que ocorreu foi algo chamado: Tempo. Ele simplesmente passou. Mas e aquilo tudo que você disse pra ela? As saídas que você disse que teriam? As ''você é uma pessoa tão maravilhosa pra ser real'', ''você tem tudo haver comigo'',''eu nunca encontrei ninguém assim'', ''seus problemas acabaram, eu sou diferente, não vai sofrer comigo''. Pois é. Aquilo fica, não é? Na cabeça de um, no coração de outro.
A gente passa por várias pessoas nessa vida, nós não sabemos o que ninguém carrega dentro de sí. Traumas, fobias, espiritualidade, energias, passado, experiências, sentimentos. Nós somos o somatório disso tudo. E é tudo isso que temos pra dar. Não só isso, claro. Mas é por ai.
Já disse inúmeras coisas que passei na minha vida pra pessoas diferentes e ouvi de muitas que eu era forte por aguentar o que aguentei, já outras diziam ''ah é? pois eu passei por isso, e aquilo, e também tô aqui.'' e eu ficava de cara, porque sim, essa pessoa tava ali depois de tudo isso. E eu também. E isso era foda demais. Mas também via pessoas com cara de paisagem, desesperadas, por não ter passado por coisas daquele tipo, ou piores, e não saber o que contar. O que comparar, o que equiparar. E o que fica no final dessa conversa? A famigerada empatia.
Não, você não sofreu o mesmo que outra pessoa. Sim, você pode ter passado pela mesma situação, mas não, você não sofreu o mesmo que ela. Não como ela. Você não sabe o peso que aquilo tem pra pessoa. Assim como você também não sabe o que a sua pequena baguncinha vai fazer na vida dela. As promessas, os planos, as coisas que você disse que ela era: elas não vão embora. Elas não vão ser retiradas. Elas podem sofrer mutação, elas podem mudar, podem evoluir. Mas sumir elas não vão.
Assim como você também não pode colocar nas mãos de alguém todo o seu bem estar emocional. É importante se cuidar, é importante olhar pra dentro. A sua felicidade não deve depender de uma resposta rápida no Whatssap. De um visto por último, de uma visualização. Por favor, você é mais que isso. Eu digo você, eu digo pra mim.
Assim como, pra outra pessoa, o nível de interesse dela não está atrelado ao quanto tempo ela passa falando com você, ou se ela respondeu rápido, ou se ela te chama toda hora. As vezes, o interesse dela tá em mesmo depois de um dia cansativo de trabalho, ela chegar em casa, ver a sériezinha, comer, descansar, pra estar bem e poder falar com você. As vezes, ela só tem um jeito diferente de demonstrar interesse que você, e não é joguinho. Você pode querer que ela demonstre sempre interesse e querer grite, mande textão, ligue, stalkeie, curta tudo e não se assustar com isso. Mas nem todo mundo consegue fazer isso e se sentir bem. E você precisa entender isso.
Sim, os joguinhos estão em alta. A gente tem que tomar cuidado com tudo que fazemos virtualmente, porque tudo é sinônimo de interesse e da falta dele. Mas a gente precisa saber que: Joguinho não é sinônimo de interesse. E que: Nem tudo é joguinho. As vezes é falta de interesse, e precisamos saber quando alguém não nos quer mais, aceitar isso e seguir.
A responsabilidade que você tem sobre aquilo que cativas, ela não é eterna. Mas você não sabe o peso que aquilo carrega pra quem irá recebe-la, então não cultive. Sejamos sinceros, sejamos jogo limpo, sejamos nós. Mas vamos olhar primeiro, e saber primeiro com quem podemos ser.
No final, aquele velho ditado de não fazer com os outros o que não queremos que façam com a gente é o vale. E isso vale pro que nós podemos fazer com nós mesmos também.

13 de junho de 2016

Mas você também né

Mas você também né, é muito exigente. Você também é muito ansiosa, quer tudo ali, na hora, no ato, se acalma. Tenta não falar sobre esses assuntos polêmicos. Você tem uma opinião muito forte, isso também assusta. Nem todo mundo tá preparado pra lidar com uma mulher assim que nem você.
Tenta não dizer que você não pensa em ser mãe se não já vão olhar torto. Tenta não dizer que você não tem pressa em casar se não vão pensar que você é descompromissada demais. Ninguém compra a vaca quando se dá o leite de graça, não é mesmo? Então.
Ah, não fala de sexo. Você tem esse seu jeito de falar de sexo sem nenhum problema, sem risadinha, sem vergonha, vão pensar que você é puta. Quem quer namorar uma puta? Por isso ele não respeita você. Quem vai respeitar uma menina assim? Sem pudor, tenha modos!
Você intimida. Tenha paciência com ele. Tenha paciência com as inseguranças dele. Para! Se você ficar demonstrando tanta insegurança assim, ninguém vai ficar com você.
Fica aí falando de ansiedade, depressão, quem você acha que quer namorar uma maluca? Não fala que você toma remédio pra dormir, não fala dos seus traumas, não fala da sua família, não diz que você tem trauma de relacionamentos não. Mas olha, se ele não chegar em você, tenha paciência tá bem? O que? Você tomar atitude? Tá doida, menina?! Onde já se viu menina tomar iniciativa? Por isso vai acabar sozinha, com essas ideias. Se ele não responder você, não chama ele não, homem não gosta que fiquem muito em cima, vai sufocar. Como assim ele te chamou e você não respondeu? E dai que ele não é legal? Fica ai rejeitando todo mundo que aparece, vai acabar sozinha.
Não chama ele pra sair. Fica quieta. Fica parada. Não faz nada.
Você se expõe demais, você ri muito alto. Você tem uma cara muito fechada, sorria! Mas não fica de sorrisinho demais não, se não já viu né? Homem acha que tudo é convite. Você bebe? Mas homem não gosta de mulher que bebe. Não, quando ele sair, você tem que acompanhar, sendo lugar que você goste ou não. E se ele achar alguém melhor que você?
Espera um pouco pra dar, não dá muito rápido não. Mas menina, vai ficar prendendo ele até quando? Homem acaba procurando em outra o que não tem casa hein. Você também trata ele mal, que que tem se ele gritou uma vez ou outra com você? Que que tem se ele mente pra você? Homem é assim mesmo. É da natureza deles. Mulher tem que se dar ao respeito. Fica aí sendo relaxada com esse corpo, come menos. Foca no 36. E esse cabelo curto? Vão achar que você é sapatão. Você também né, não é tão feminina. Homem não gosta de mulher que xinga mais palavrão que eles, que joga mais que eles, que ganha mais dinheiro que eles.
Para.
Não seja você mesma. Não seja feliz com você.
Se não, assim ninguém vai gostar de você.

19 de maio de 2016

Fusão do cotidiano de mulheres aleatórias


Não sei se sou só eu mas, geralmente, meu dia melhora bastante quando acabo esbarrando com um(a) desconhecido(a) que me trata bem. Aquelas pessoas que veem que você sentou longe da sua companhia de viagem e perguntam se você quer trocar de lugar com elas, ou pessoas que simplesmente cedem o lugar pra você, sem necessidade, sem obrigatoriedade por lei de preferência, sem culpa, só porque a pessoa olhou pro seu rosto e sentiu algo bom. São as famosas pequenas coisas do dia que melhoram o seu dia por completo, ou talvez até a sua semana.

Surpreendentemente e felizmente, eu esbarrei com três pessoas do tipo num dia só. E ainda consegui falar com dois gatinhos vira-latas na rua, o que pra mim é uma vitória. Eu achava que meu dia estava ótimo e que a energia que me cercava estava algo sem igual de tão bom, até que no meio dessa gente, estava uma mãe. Uma mãe sem filho.

A moça notou que minha mãe estava com marcas nos braços causadas pelas bolsas que carregava. Preocupada, ela ofereceu ajuda à minha mãe que aceitou imediatamente. Ambas começaram a conversar sobre como era difícil viver a vida de uma mulher-mãe-trabalhadora, uma vida não dá descanso nunca, até que (provavelmente como um recurso de desabafo) a mulher simplesmente desabafou que havia perdido o filho. Dezoito anos. Eu não pude ignorar o fato de que o rapaz era um ano mais novo que eu, ele simplesmente acabara de fazer dezoito. "Foi acidente?" minha mãe perguntou e ela disse "Não. Mataram.". A gente deveria ter ficado surpresa, afinal não foi em batida de carro, nem nada. Não foi uma casualidade da vida, um evento cotidiano que acabou em desastre. Uma hora ele estava ali, e na outra não estava mais. Porque o mataram.

A moça disse que esse era o segundo filho que ela enterrava, já tinha enterrado outro filho também com dias. Fiquei calada o tempo todo e deixei minha mãe escutar e aconselhar a moça, afinal eu não sou mãe. Elas começaram a trocar experiências sobre perdas: minha mãe falando sobre os anos que a gente passou com a minha vó com Alzheimer e depois como foi perde-la. Contou que terminou a faculdade na marra, porque ela trabalhava, estudava e quando chegava em casa tinha que trocar frauda, limpar suas feridas, dar comida. ‘’Eu dormia todo dia três horas da manhã pra no dia seguinte estar de pé pra trabalhar. ’’, disse minha mãe. A moça deu o olhar mais solidário que ela poderia enquanto escutava minha mãe contar como foi ver uma mulher forte, que nunca parou de trabalhar e de lutar pra sobreviver, nordestina, guerreira, simplesmente ir perdendo toda essa sua identidade aos poucos e ir ficando cada vez mais vulnerável, cada vez mais frágil.

A moça disse que as pessoas falavam pra ela que ela deveria se manter forte porque ela tem mais uma filha e dois netos, que eles precisavam dela: "Mas tem dias que eu não consigo..." ela admitiu. Eu não aguentei ouvir isso e soltei, com um receio enorme, "Moça, antes de a senhora ser mãe e avó, a senhora existe. A senhora é uma pessoa." ela me olhou como se ninguém nunca tivesse falado isso pra ela, e concordou. Acho que até ela se surpreendeu por ter concordado.

Contou que já havia tido depressão e que ela e seus filhos tinham medo de isso ocorrer de novo com ela. Disse que se fosse necessário ela buscar ajuda, e principalmente se ajudar. Minha mãe compartilhou da mesma opinião mas acrescentou que ela deveria dar um espaço pra dor, afinal ela estava de luto. Ela pode chorar, ela pode ficar perdida. Ela tem esse direito. Teve um momento em que ela contou que sorriu sem perceber e pensou "Meu deus que que eu tô fazendo? Eu não posso sorrir."

Ela pegou uma foto do filho e mostrou pra minha mãe, e isso despertou a atenção de uma outra mulher do metrô. Logo as duas estavam lá, ouvindo a moça, e eu ali no meio. Reconhecendo que eu não poderia mensurar a dor dessa mulher, e nem acalmar ela por mais que quisesse muito. Elas ficaram se ajudando e se ouvindo, até uma hora em que a moça não aguentou e começou a lacrimejar. Eu olhei pra ela e segurei na mão dela, e ela caiu aos prantos no meio do metrô. As pessoas olharam, mas eu só sabia falar pra ela chorar sim. Que eu estava ali. Minha mãe do lado dela também dizia coisas do tipo, do outro lado estava a senhora que veio depois. 

Eu não posso ignorar de que aquela mulher, por algum motivo, apareceu no meu dia. Se eu disser que não achei que foi coisa de Deus, eu estaria mentindo. Toda a energia que eu absorvi, todas as coisas boas que eu senti no meu dia, eu tentei ao máximo passar pra essa mulher. E foi impossível não ver a gratidão nos olhos dela.

Não posso não atribuir isso ao feminismo, um movimento que me fez olhar para as outras mulheres de uma forma muito mais fraternal. Eu as valorizo de forma que nunca fiz antes. Talvez sororidade seja isso. A gente se entender sem se conhecer. A gente ter empatia, porque sabemos como é ser mulher nessa sociedade. Ser uma mulher, periférica, negra. Moradores da zona norte/baixada do Rio de Janeiro não tem paz, e pior quando se é uma mãe.

Depois quando chegou na estação Pavuna, estação final, nós nos levantamos e ela olhou pra todas nós e agradeceu com todo o coração. A outra moça segurou a mão dela e disse "Força", a minha mãe falou pra ela cuidar do espiritual dela e eu só fiz um carinho no braço dela e sorri com os olhos.

Meu dia terminou com mulheres tendo empatia por outras mulheres. Eu, mulher, ajudei uma outra mulher, com outras mulheres. Enquanto eu contava essa história pra outras mulheres, as mesmas se emocionaram. E que assim seja: nós, mulheres, sejamos uma pela outra. Sempre.